Movimento Cultural protocola carta junto ao Governo do Estado

Treze fóruns setoriais e organizações representativas do setor cultural protocolaram nesta terça-feira (10) uma Carta da Cultura ao Governador do Estado da Paraíba, João Azevedo. As organizações apresentaram como pauta central a necessidade de ampliação dos investimentos no setor e a proposição de um plano estratégico para o desenvolvimento econômico da Paraíba através da arte, da cultura e da Economia Criativa.

A carta destacou matéria do jornal Folha de São Paulo, de 25 de agosto deste ano, que revela a Paraíba como o último estado brasileiro em investimentos em políticas públicas de cultura. O documento ainda reivindica a implementação do Plano Estadual de Cultura de caráter decenal e políticas de interiorização dos investimentos no setor. O Movimento Cultural ainda solicita um encontro com o governador João Azevedo, para diálogo direto. A entrega da carta é resultado de um amplo processo de organização entre diversos movimentos e organizações culturais da sociedade civil ao longo de 2019.

Confira a carta na íntegra:

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CARTA DA CULTURA AO GOVERNADOR DO ESTADO DA PARAÍBA

Em nome do setor cultural paraibano, os Fóruns setoriais e regionais de cultura e as organizações de trabalhadores do setor abaixo subscritas vêm, por meio desta, externar a forte insatisfação diante do cenário desolador das políticas públicas de fomento à cultura em nosso estado. O cenário de alerta tornou-se ainda mais evidente diante dos recentes números divulgados pelo jornal Folha de São Paulo (25/08/2019)  ao revelar a Paraíba como o estado com o menor investimento per capita em cultura no Brasil.

Esta situação demonstra um claro descompasso entre a fragilidade das políticas públicas de cultura diante da diversidade cultural que a Paraíba apresenta em suas manifestações culturais, artistas, produtores e demais profissionais, presentes em todo seu território. Paradoxalmente, no ranking nacional, a Paraíba é o 7º estado em pessoas ocupadas na Economia Criativa, todavia, em relação a remuneração média apresenta-se como o 24º colocado. Temos os insumos, porém, não temos os investimentos (IBGE, 2016).

Contribuímos com muitas riquezas, geramos empregos, renda, felicidade. Tornamos a Paraíba reconhecida mundialmente. Ativamos o turismo, movimentamos bares, hotéis,  restaurantes, respondemos por parte significativa do consumo de serviços de telefonia, TV paga e internet. Impulsionamos a venda de computadores, softwares e de smartphones. Desenvolvemos o mercado da moda, de bebidas e de alimentação. Colocamos muitos recursos nos cofres públicos através dos tributos recolhidos desses e de outros segmentos estimulados pelo setor cultural. Apesar disso, seguimos invisibilizados aos olhos do poder público estadual.

Levantamento de dados públicos (Sagres/TCE/PB) realizado pelo Fórum de Produção Cultural de João Pessoa e pelo Observatório de Políticas Culturais (ObservaCult/UFPB) revela que o Governo do Estado, nos últimos oito anos, tem investido em média aproximadamente R$ 750 mil por ano por meio do Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos Anjos (FIC). Este valor representa aproximadamente apenas 1/3 dos recursos aplicados pela Prefeitura de João Pessoa no Fundo Municipal de Cultura em 2019.

Sem reconhecer seus ativos, a Paraíba acaba por desperdiçar um de seus setores mais dinamizadores e economicamente viáveis, responsável por: promover o desenvolvimento local, geração de emprego e renda, motor do turismo e de investimentos, fortalecimento da identidade, entre outros. Como estudos nacionais e internacionais têm demonstrado, o setor cultural e criativo é cada vez mais relevante para as economias de países e territórios. Estudos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) convergem em demonstrar que a cultura representa aproximadamente 2,6% do PIB brasileiro, com mais de 200 mil empresas e instituições constituídas, responsáveis por uma arrecadação fiscal de mais de R$ 10,5 bilhões ao ano.

Estamos falando de um setor que tem apresentado uma taxa de crescimento médio de 4,6% ao ano na última década, índice superior à taxa de crescimento dos demais setores econômicos em nosso país e no mundo – comportamento que se verifica mesmo nos períodos de crise. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), se a Economia Criativa fosse um país, seria o quarto maior PIB mundial, gerando US$ 4,3 bilhões. O setor cultural é capilarizado em todo o território, é mais inclusivo e menos concentrado que os demais e, por isso, seguimos absorvendo trabalhadores mesmo durante os ciclos de crise.

A Economia Criativa, polo central da chamada economia do conhecimento, é, além disso, a força motriz de muitos setores econômicos na Paraíba: tecelagem, têxtil e calçadista, gastronomia (alimentos e bebidas), comunicação e publicidade, turismo, design (joias, louças, móveis, utensílios), arquitetura e construção civil. A cultura também apresenta externalidades positivas para outras áreas de políticas públicas: saúde, meio ambiente, esportes, segurança, igualdade racial e de gênero, juventude, dentre outras. Na educação a cultura é principal aliada para a consolidação das escolas de tempo integral, contribuindo para essa importante meta do Governo estadual.

Na Paraíba, contudo, persiste a invisibilidade do setor e a ausência de um planejamento consistente da política cultural e criativa, devidamente inserida como dimensão central do desenvolvimento sustentável do estado. Adotamos, quando muito, a política de eventos, importantes, mas insuficientes para dar vazão às enormes contribuições que o setor cultural e seus segmentos podem dar ao território.

Soma-se a isto a subutilização dos aparelhos culturais ligados ao Governo do Estado instalados no interior:  O Cine São José, em Campina Grande, a Fundação Ernani Sátyro, em Patos, e o Teatro íracles Pires, em Cajazeiras, permanecem em condições inadequadas para receberem produções culturais, tampouco possuem uma agenda que permita uma circulação efetiva e de qualidade a artistas locais e nacionais. Além disso, há ausência de políticas de formação, fomento e circulação voltadas para as diversas regiões do estado, dificultando uma real interiorização das políticas culturais e da produção artística, implicando na falta de acesso à cultura para a maior parte da população paraibana.

Os desperdícios de oportunidades são visíveis, mesmo quando não precisaríamos investir recursos próprios. Apesar de sermos a 6ª economia da região Nordeste, somos o 8º estado nordestino em captação de recursos através da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), com uma média de captação anual de R$ 3,11 per capita, cerca de 1/4 do captado pelo vizinho Rio Grande do Norte. Também pouco usamos os recursos disponibilizados pela Lei do Audiovisual. São recursos gerados na Paraíba que poderiam ser mantidos e investidos no próprio território. Um Fórum de Investidores em Cultura – e em outras áreas, através das leis federais de incentivo fiscal -, apoiado e construído em parceria com o Governo estadual, mobilizando o setor empresarial, muito contribuiria para mudarmos este cenário.

Também nos alerta que entre os 29 fundos públicos existentes no estado, o Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos Anjos (FIC) seja um dos poucos inativos, mesmo tendo recebido dotação orçamentária através de Emenda Parlamentar nos dois últimos exercícios fiscais. Isso demonstra desrespeito a um Fundo público que visa democratizar as relações entre a população paraibana e o seu direito à fruição de bens e serviços culturais e de lazer. Torna-se ainda mais inexplicável quando analisada sua capilaridade territorial versus outros fundos públicos.

Por sua vez, também o mecanismo de incentivo fiscal estadual, previsto no Decreto 39.398, de 29/08/2019 e no Convênio ICMS n.º 133, de 05/07/2019, autorizado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, permanece sem ser utilizado, mesmo tendo recursos também previstos na LOA vigente, mas que seguem sem ser efetivamente executados desde 2008.

A articulação destes mecanismos (Lei Rouanet, Lei do Audiovisual, FIC e isenção fiscal estadual), somados ao Empreender Cultural, possibilitaria a implementação de uma estratégia para o desenvolvimento econômico da Paraíba. Se considerarmos a informação revelada por recente estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que demonstrou que a cada R$ 1,00 investido em projetos culturais via Lei Rouanet são gerados R$ 1,59 na economia local, podemos estimar o tamanho do desperdício da não utilização desses recursos disponibilizados pelos citados instrumentos em nosso território. Preocupados em “atrair empresas” de fora, desconsideramos a rica Economia Criativa da cultura já instalada em nosso território.

É preciso sinalizar que estas informações e propostas (devidamente detalhadas) já foram apresentadas ao Sr. Secretário de Estado da Cultura em exercício sem que, contudo, tenhamos obtido indícios de encaminhamento mais consistentes e, principalmente, da efetiva concretização das iniciativas. Profundamente incomodados, constatamos que a gestão da Secult segue o mesmo padrão de descaso em relação à execução do FIC: tal como verificado nos dois últimos anos da gestão anterior, o FIC em 2019 também não teve nenhuma operação concreta, sequer de solicitação de fixação, quanto mais de lançamento de editais ou de empenhos. São, ao menos, três anos de inércia completa, sem atitudes por parte dos responsáveis pela pasta, mesmo depois de sucessivas solicitações. Passou da hora de agir.

Cabe ainda ressaltar que não apenas essa agenda, mas outras, de igual importância, esbarra-se num gestor desconectado com o repertório contemporâneo das políticas culturais, impedindo o avanço qualitativo desta Secretaria e das políticas públicas.

É chegada a hora de refundar a Secult, renovar a política cultural estadual e reconhecer o real papel que a cultura e a Economia Criativa têm a cumprir para o desenvolvimento da Paraíba. Isto poderá ser feito com o revigoramento institucional, o fortalecimento dos mecanismos de fomento e com um Plano Estadual de Cultura decenal sério. A cultura tem uma capacidade inegável a desempenhar, mas sem visão de futuro e sem gestão à altura deste potencial não haverá saída para a crise institucional em que se encontra.

O tempo urge e é preciso agir para mudarmos efetivamente a rota. É exatamente isso que estamos fazendo, Senhor Governador, de modo propositivo. Neste sentido, as organizações abaixo assinadas do movimento cultural paraibano colocam-se à disposição para contribuir com melhorias diretas e objetivas para a política cultural do estado da Paraíba e solicitam uma reunião para estabelecer diálogo direto com V. Exª, por considerarmos que a situação atual assim o exige.

Solicitamos, assim, uma audiência com V. Exª, a ser marcada o mais urgentemente possível, para a devida apresentação do “Plano de Desenvolvimento da Economia Criativa da Paraíba” e para estreitarmos os entendimentos sobre como o setor pode contribuir decisivamente para o desenvolvimento do estado.

Por fim, acreditamos que, como gestor público eleito e legitimado pelo voto do povo paraibano, V. Exª. compreende o imenso potencial econômico, político, social e simbólico que este setor representa para os paraibanos e o legado que deixará para uma Paraíba do futuro, viva, intensa, criativa e pulsante.

Certo de contarmos com sua compreensão e com os encaminhamentos necessários, subscrevemo-nos, mui respeitosamente.

 

Subscrevem:

FÓRUM DOS FÓRUNS DE CULTURA

  • FÓRUM DE PRODUÇÃO CULTURAL DE JOÃO PESSOA
  • FÓRUM DE TEATRO DE JOÃO PESSOA
  • FÓRUM DE MÚSICA DE JOÃO PESSOA
  • FÓRUM DE CULTURAS POPULARES DE JOÃO PESSOA
  • FÓRUM PERMANENTE DE DANÇA DE JOÃO PESSOA
  • FÓRUM DE CAPOEIRA DA GRANDE JOÃO PESSOA
  • FÓRUM DE CIRCO DA PARAÍBA
  • FÓRUM SETORIAL DO AUDIOVISUAL PARAIBANO
  • FRENTE DE INTERIORIZAÇÃO DO AUDIOVISUAL PARAIBANO
  • FÓRUM NACIONAL DO FORRÓ DE RAIZ
  • FÓRUM DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS E DE TERREIROS
  • FRENTE PARAIBANA EM DEFESA DO LIVRO, LEITURA, LITERATURA E BIBLIOTECAS
  • REDE ESTADUAL DE PONTOS DE CULTURA
  • OBSERVATÓRIO DE POLÍTICAS CULTURAIS (OBSERVACULT/UFPB)

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